MATRAGA 21

UM INQUIETO MINIMALISTA
Joaquim Branco (FIC)

Quando Adrino Aragão, pelos idos da década de 1970, começou a se afirmar na literatura com Inquietações de um feto, já dava para antever em seu projeto literário o escritor que procurava na linguagem, nos temas e no formato do texto uma nova proposta. Tão nova que poucos puderam se dar conta de que ali se consolidava em livro um tipo de ficção curta (por que não dizer curtíssima?) que iria não só marcar o seu perfil literário como abrir campo para uma comunicação cuja funcionalidade se justificava pelos elementos contextuais do tempo e do espaço.

Próximo da poesia concreta, do haikai e dos poemas em prosa pela rapidez e diminuta extensão, o miniconto, que é como se denominou essa espécie de narrativa, deles diferiu pelo seu caráter de prosa ficcional para a qual é preciso estar atento o leitor para não confundilo também com os pequenos relatos morais, o chiste ou os simples enunciados de efeito.

Seu mecanismo expressional, embora apresente, de certo modo, características do conto, dele se diferencia principalmente pelo efeito que produz ao ganhar um sentido maior de susto, surpresa e busca da reflexão para o leitor.

O recém-lançado volume de Adrino Aragão conto, não-conto & outras inquietações começa no verso da capa e termina no verso da contracapa com a figura de um galo em posição de briga – o um e o outro –, cada qual, portanto, de frente para as páginas que iniciam e terminam o volume, seguido e precedido por um labirinto. Outra característica são os desenhos, feitos pelo próprio autor, que acompanham a numeração das páginas.

Divide-se a obra em duas partes: a primeira reproduz os minicontos de Inquietação de um feto, e na segunda estão os novos textos, compostos, na grande maioria, por microcontos de três a quinze linhas.

São essas “outras inquietações” que continuam a navegação de cabotagem empreendida por Adrino. Aqui se adensa, embora rareiem as palavras, a floresta do texto, para que, encurtado sintaticamente, expresse mais. Conseguiria o autor, ao se limitar, dizer realmente mais? Ao fugir, como sempre faz, da navegação de longo curso, estaria Adrino a procurar obstinadamente a síntese da síntese? Com que objetivo?

Na modernidade, o conto, ao se aproximar, tematicamente, mais do cotidiano e posteriormente ao assumir a linguagem como exteriorização e matéria-prima de seu próprio tecido, deixou de lado a preocupação exagerada com enredos ou tramas narrativas tradicionais e até com personagens. O contista precisou então lançar mão de novos recursos, e é dentro dessas “armadilhas ficcionais” que se impõem que surge, entre outras, a mininarrativa, chamada pelos ingleses de short-short stories.

Nas décadas de 60/70 Adrino já havia se distinguido como minicontista. Não satisfeito, agora vai mais além; experimenta o microconto. O microcontista, na “impossibilidade” de se expandir, tem que criar um universo ficcional ou o que represente isso em poucas palavras, como esses desenhistas de rara habilidade que pintam na cabeça de um alfinete.

É preciso, no entanto, distinguir a boa ficção daquela originada no modismo que beira ao anedotário e ao prosaísmo ridículo de certas “invenções” atuais.

A proposta de Adrino mostra nitidamente a nova vertente aberta na linha de sua produção. Penetrando em conto, não-conto, podemse selecionar temáticas em que o autor se aventura pela metalinguagem (como em “Espreita”), a blague (“Fiel companheiro”), o humor negro (“Seguindo o romance”), o non-sense (“Urubus”), o dia-a-dia (“Retalhos do cotidiano”), a ecologia (“O pescador”), o fantástico (“Ele e a lua”), o patético (“(In)esperado”).

Há um conto na série “Apenas três palavras” composto somente de seis linhas, em que se pode perceber integralmente a estrutura da nova modalidade. Sua transcrição ilustra, mais do que qualquer ponderação, nossas considerações:

matou por amor! eis aí um conto em apenas três palavras.
poderia também ser “viveu por amor”, não poderia?
talvez até pudesse; mas aí o conto não seria conto, por lhe faltar algo mais, que eu não saberia explicar.
Ué!? (ARAGÃO, 2005, p. 121)

Penso que não haverá melhor arremate do que esse. O recente lançamento de Adrino Aragão, em que o título traz explícita a intenção do ficcionista (“conto, não-conto”) e até se desdobra em “outras inquietações”, não poderia ser mais surpreendente, inovador e capaz de lhe dar o destaque que merece nos quadros da literatura brasileira contemporânea.

 

REFERÊNCIA

ARAGÃO, Adrino. Conto, não-conto e outras inquietações. Brasília: Da Anta Casa Editora, 2005. 158 p.